quarta-feira, 25 de agosto de 2010

INSCRIÇÃO PARA UM PORTÃO DE CEMITÉRIO...


Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"
(Mário Quintana)

A UM AUSENTE...


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
(Carlos Drummond de Andrade)

O JARDIM DO AMOR...


Tendo ingressado no Jardim do Amor,
Deparei-me com algo inusitado:
haviam construído uma Capela
No meio, onde eu brincava no gramado.

E ela estava fechada; "Tu não podes"
Era a legenda sobre a porta escrita.
Voltei-me então para o Jardim do Amor,
Onde crescia tanta flor bonita,

E recoberto o vi de sepulturas
E lousas sepulcrais, em vez de flores;
E em vestes negras e hediondas os padres faziam rondas,
E atavam com nó espinhoso meus desejos e meu gozo.
(William Blake)

A ORIGINALIDADE, SEGREDO DOS MESTRES...


Os antigos Mestres da vida
Eram profundamente identificados
Com as potências vivas do Cosmos.
Em sua profunda interioridade
Jaziam a grandeza e o poder
Da sua dinâmica atividade.
Quem compreende, hoje em dia, esses homens?
Sábios eram eles,
Como barqueiros que cruzam um rio
Em pleno inverno;
Cautelosos eram eles,
Como homens circundados de inimigos;
Reservados eram eles,
Como hóspedes fossem;
Amoldáveis eram eles,
Como gelo que se derrete;
Autênticos eram eles,
Como cerne de madeira de lei;
Amplos eram eles,
Como vales abertos;
Impenetráveis eram eles,
Como águas turvas.
Impenetrável também nos parece
A sua vasta sabedoria.
Quem pode compreendê-la atualmente?
Quem pode restituir a vida
Ao que tão morto nos parece?
Só quem sintoniza com a alma do Infinito!
Só quem não busca o seu próprio ego,
Mas demanda o seu Eu real,
Mesmo quando tudo lhe falta.